Um dos passeios mais marcantes de Alter do Chão, em Santarém (PA), a trilha da Serra Piroca proporciona uma imersão na natureza amazônica combinada com educação ambiental e saberes tradicionais. Com cerca de 2 km, o trajeto leva ao topo da serra, uma elevação de 110 metros de altitude, de onde se avista o Lago Verde em 360 graus, a Floresta Encantada, os igarapés do Camarão e do Macaco, o Lago da Piranha e a Ponta do Cururu.
A caminhada é considerada leve e dura cerca de duas horas (ida e volta), com apenas um trecho mais íngreme próximo ao topo. O acesso à base da serra pode ser feito de bajara — embarcação tradicional amazônica feita de madeira e movida a motor, lancha ou catraia — canoa a remo — e, durante o período de seca, também é possível chegar a pé.
A experiência é conduzida por uma equipe capacitada. Logo no início, os visitantes recebem orientações de segurança, fazem alongamento e conhecem os guias. O grupo é acompanhado por três profissionais: o condutor principal, que compartilha informações sobre biodiversidade e cultura local; um auxiliar de apoio; e o chamada serra-trilha, que carrega uma mochila com ferramentas e kit de primeiros socorros, assegurando a integridade dos participantes até o fim da atividade.
A trilha
Durante a subida, o grupo caminha em fila indiana e se apresenta de forma descontraída, dizendo nome, número e comida favorita. A dinâmica ajuda a integrar os participantes e facilita o controle do grupo, geralmente composto por até 30 pessoas, o que também reduz o impacto ambiental.
Ao longo do trajeto, é possível observar três tipos de vegetação: igapós alagados, savana amazônica (onde é comum avistar répteis) e uma floresta densa que antecede o cume. Os guias compartilham curiosidades, como o uso do musgo como bússola natural — por crescer voltado ao sul — e incentivam a observação de aves. Com sorte, é possível ouvir ou avistar até 50 espécies, como azulão, sabiá, bem-te-vi e siriri, este último conhecido por auxiliar na dispersão de sementes.
Outros encontros marcantes ocorrem com o som curioso do “macaco zogzog”, que balança os braços como se fizesse beatbox — uma forma de percussão vocal —, mas, com árvores de casca avermelhada. Nesse tom, as espécies florestais indicam a qualidade do ar que, no caso, apresenta um excelente indicador.
Medicina tradicional
A caminhada funciona como uma aula viva sobre os usos tradicionais das plantas e insetos amazônicos. Um exemplo é o formigueiro: quando esmagadas e esfregadas no corpo, as formigas liberam um odor forte usado como repelente ou como camuflagem por caçadores.
Ao longo do passeio, também é possível encontrar as frutas nativas como a muúba, ou goiaba de anta como é popularmente conhecida, utilizada na medicina popular para aliviar dores estomacais.
Durante o percurso, o guia retira a casca de uma árvore e revela uma substância viscosa: é a resina da sucuba, planta tradicionalmente usada para aliviar sintomas de gastrite. Por ser potente e pegajosa, seu uso em excesso pode causar efeitos adversos. A sucuba também é valorizada por suas propriedades anticancerígenas, anti-inflamatórias, analgésicas e antifúngicas, sendo amplamente empregada na medicina tradicional da região.
Outro destaque é o breu-branco, também conhecido como almecegueira, cuja resina perfumada é usada como incenso natural, analgésico, cicatrizante e até descongestionante nasal. O aroma que exala da casca é marcante, e quando os óleos essenciais evaporam, a resina cristaliza em pequenas pedras brancas. Em comunidades indígenas, a fumaça do breu-branco queimado é utilizada para aliviar dores de cabeça e problemas respiratórios.
Imersão na Amazônia Santarena
No topo da serra, a guia Ana Carolina respira fundo e observa o horizonte.
“Olha essa imensidão. Nossa geografia muda com o ciclo das águas. A melhor época para vir é quando você puder. Alter tem beleza o ano inteiro. Aqui em cima, a sensação é de liberdade. Dá pra ver tudo, os rios, os lagos, a floresta. É indescritível” diz, com a experiência de quem já conduziu dezenas de grupos.
Ali também há um cruzeiro metálico já enferrujado. Versões anteriores, feitas de madeira, foram destruídas por raios, o que motivou a instalação da estrutura atual, mais resistente. O cruzeiro foi colocado por missionários como forma de marcar o território e indicar que ali havia atividade de catequese.
Para o secretário municipal de Turismo, Emanuel Júlio Leite, a trilha é um exemplo claro do potencial de Alter do Chão como destino de ecoturismo.
“A Serra Piroca oferece uma vivência completa. É contato com a biodiversidade, com os saberes tradicionais e com uma paisagem que marca a memória. Alter é muito mais do que praia.”
Durante o passeio, a comitiva do secretário acompanhou guias e profissionais do turismo local, que reforçaram a importância da presença obrigatória de condutores credenciados.
“Agimos como educadores e fiscalizadores. Avaliamos os comportamentos, damos orientações, explicamos sobre a história e a diversidade da fauna e flora... ajudamos a preservar a natureza. Temos um lema: aqui, nada se mexe, nada se leva… a não ser o seu lixo e a memória incrível do passeio”, afirma Raul Cadena, que atuava como serra-trilha na visita.
Origem do nome
O nome correto é Serra Piroca, sem o “da”. A forma popularizada, com o artigo, ganhou força após ser registrada em plataformas como o Google Maps. Apesar de geograficamente ser um morro, o termo “serra” se firmou no uso cotidiano, como explica o guia e historiador Francisco Oliveira.
A origem do nome remete às línguas indígenas tupi ou nhengatu — esta última conhecida como “língua geral” da Amazônia. Criado e difundido por missionários jesuítas durante a colonização, o nhengatu funcionava como uma língua padrão para facilitar a comunicação entre diferentes povos. Seu significado é “fala boa”, e quem não a dominava era visto como alguém de “fala ruim”. Os próprios missionários nomeavam muitos lugares com base nesses idiomas, impondo referências linguísticas alheias às línguas nativas.
"No caso da Serra Piroca, embora o nome tenha raízes no tupi ou nhengatu, o povo Borari, originário da região, provavelmente falava uma língua do tronco aruak, ainda que isso não esteja plenamente comprovado. A presença de termos em tupi ou nhengatu reflete, portanto, mais a influência dos colonizadores do que a língua originalmente falada pelos habitantes locais", pontua o guia.
“Piroca” significa “pelado, depenado ou descascado”. Segundo Francisco, Ibitira Piroca, ou “serra pelada”, faz referência ao topo que antes tinha pouca vegetação. Durante a trilha, o guia propõe uma leitura da paisagem como ponto de partida para reflexões sobre a história e a presença dos povos originários.
Com o tempo, surgiram versões populares que buscam suavizar a sonoridade do nome, como “Serra da Pira-Oca”, interpretada como “casa de peixe”. Uma lenda local diz que há lagos subterrâneos sob a serra, onde viveriam peixes que emergem quando o nível da água sobe.
“Essa narrativa pode ser uma tentativa de evitar o nome original, que às vezes provoca risos por lembrar um órgão sexual. Mas, nos registros históricos, o nome verdadeiro é mesmo Serra Piroca”, ressalta Francisco.
Dicas para aproveitar a trilha com segurança:
• Use calça comprida para proteção contra sol e plantas urticantes
• Leve protetor solar, chapéu, garrafa de água e sapatos fechados
• Contrate guias locais habilitados no Cadastur para segurança e qualidade
Guias e agências recomendadas:
• Família Tuca Tours – (93) 99226-6121 / (93) 99109-0803
• Francisco Oliveira – Guia e historiador com abordagem cultural – (93) 99145-6909
• Paulo Melchior – Guia fluente em inglês
• Rudi Lopes – Também oferece passeios de lancha – (93) 99105-5363
Hospedagem em Alter do Chão:
A vila conta com opções para todos os estilos. Uma sugestão acessível e bem localizada é o Hostel em Alter, ideal para quem busca conforto, economia e fácil acesso aos atrativos da região.